Pessoas não estão a salvo de preconceito e discriminação nem no mundo dos games!


Que infelizmente vivemos em um mundo cheio de preconceitos e carregado de discriminações, não é novidade para ninguém. Até mesmo em ambientes feitos para diversão e congraçamento entre as pessoas, como o mundo dos games e seus encontros, sejam presenciais ou virtuais, temos casos lamentáveis de preconceito, chegando muitas vezes à ocorrência de agressões verbais e ameaças graves.

Foi o que aconteceu quando o evento de tecnologia SXSW anunciou que faria painéis de discussão sobre o assédio no mundo dos games, além de assuntos como isenção do jornalismo nessa área. O evento, que ocorrerá em março na cidade de Austin nos Estados Unidos, começou a receber ameaças assim que fez o anúncio dos temas dos painéis. Diante disso, a organização decidiu cancelar os painéis polêmicos.

Hugh Forrest, diretor do SXSW Interactive escreveu no blog oficial do evento: “Se pessoas não podem concordar, discordar e abraçar novas formas de pensar em um local seguro e livre de assédio online e offline, esse mercado de ideias está inevitavelmente comprometido”. Chega a ser inacreditável que em pleno século XXI ainda tenhamos que conviver com esse tipo de situação, ainda mais quando falamos de games, um segmento que costuma sofrer preconceito do público externo, que muitas vezes não compreende a cultura que envolve esse universo. Inclusive já falamos sobre isso aqui no Lado B.

Mas agora estamos falando de preconceito dentro do mundo gamer. As vítimas da vez são as mulheres. E o preconceito e o assédio ocorrem de diversas formas e são todos potencializados pela internet e suas mídias sociais, que são campo fértil para pessoas maldosas que geralmente se escondem no anonimato que muitas vezes a rede possibilita, para destilar ódio e semear a discórdia.

Mulheres gamers estão cada vez mais em evidencia nas redes sociais, assumindo papel de protagonismo em canais no YouTube, em grupos de discussão e também na indústria, o que acaba causando a ira dos “haters” (como são conhecidos os odiadores de plantão da internet), como se a mulher gamer tivesse direito apenas a jogar e não a emitir opinião. Em pleno século XXI?! Fala sério!

Em 2014, um caso que ficou conhecido como GamerGate ganhou notoriedade, quando emergiram na internet histórias de que desenvolvedoras de jogos teriam se envolvido em relacionamentos amorosos com jornalistas de games buscando promover seus jogos. Isso gerou um movimento para combater esse tipo de prática, que criou uma mácula no jornalismo de games, comprometendo a credibilidade de grandes meios do ramo nos Estados Unidos. Os envolvidos foram bombardeados na internet com ataques virtuais e o caso ganhou grande repercussão. Infelizmente, esse caso aflorou situações de extremismo de ambos os lados do problema. O impasse ocorrido no evento SXSW é prova disso.

Até mesmo a idade é motivo de preconceito. Jogadores mais novos acabam sendo discriminados por jogadores mais antigos, em especial quando os novos gostam dos jogos retrô e resolvem opinar sobre eles, como se fosse obrigatório ter jogado o game em sua época original para poder emitir opinião. A mesma coisa acontece dos novos em relação aos mais antigos. É preconceito para tudo quanto é lado.

Resolvemos então conversar com algumas mulheres gamers para que contem suas experiências para nós. A youtuber Anika Bonny, estudante de análise e desenvolvimento de sistemas, joga videogame desde bem pequena (4 ou 5 anos). Em junho de 2014 ela começou a fazer vídeos sobre games e música no YouTube: “de modo geral, nunca sofri preconceito por ser mulher, apesar de que já houve casos de pessoas virem falar comigo só para saberem se eu namoro, ao invés de perguntar sobre o trabalho que desenvolvo no site”, conta Anika. “Mas já sofri preconceito pela minha idade, como sendo nova demais para curtir jogos antigos”.

Um campo fértil para o preconceito contra a mulher gamer são os jogos online. Como não costuma jogar dessa forma, Anika disse não ter sofrido com isso, mas já ouviu muitos relatos e reclamações de mulheres que são discriminadas quando estão jogando pela internet.

Apesar dessas atitudes ruins, Anika também recebe bastante feedback positivo: “já ouvi várias vezes frases como – nossa, você é mulher e joga, que incrível isso”. Ela também conta o outro lado da história, pois acredita que existem mulheres que usam o fato de serem do sexo feminino para poder chamar mais atenção e assim ganhar fama entre os gamers utilizando atributos que vão além do conhecimento e paixão pelos games: “inclusive uma das mulheres envolvidas no GamerGate foi acusada disso”, conta. Essa mulher seria Anita Sarkeesian, uma ativista dos direitos da mulher que foi acusada de utilizar o suposto escândalo para se promover.

Já Monique Alves, criadora dos fansites Resident Evil Database e Horror Database relata várias situações de preconceito que sofreu por ser a “menina que joga videogames”: “meu primeiro fansite de Resident Evil foi criado em 2000, quando eu tinha 15 anos de idade, e as pessoas duvidavam que a dona do site era uma menina e quando descobriam, logo estereotipavam como lésbica, gorda ou alguém que compensava suas frustrações em games. Já me falaram isto várias vezes, que eu jogava videogame por provavelmente ser uma menina feia e infeliz”, desabafa Monique.

Questionam inclusive a habilidade dela em jogar videogames: “já perdi as contas de quantas vezes me perguntaram se eu manjava mesmo de games ou se só jogava casualmente. E mesmo que fosse jogadora casual, qual é o problema? Por ser fã de jogos de terror, muitas pessoas duvidam da minha capacidade na hora de jogar, pois acham que eu só sei jogar coisas mais leves, como os Candy Crush da vida” nos contou Monique.

Jogadora de games desde os 4 anos de idade, hoje Monique tem um dos maiores fansites sobre a franquia Resident Evil do Brasil, com mais de 500 mil seguidores no facebook, além de um canal no YouTube que já conta com mais de 7 mil inscritos. Mas nada disso é suficiente para acabar com o preconceito. “Até hoje ainda sou vítima de preconceitos, mas já me incomodei muito mais do que me incomodo hoje. Ainda me afeto, mas não tanto. Quando faço gameplays no YouTube, sempre chega alguém surpreso por eu saber jogar bem, ou se for um jogo em que não sou tão boa, me criticam por ser mulher”.

Infelizmente, o preconceito que vemos no mundo dos games é apenas reflexo do mesmo preconceito que aflige a sociedade como um todo e infelizmente parece que estamos muito longe de evoluirmos a ponto de isso deixar de existir. Para piorar um pouco, com a internet esse mal acabou potencializado. Esperamos que ao menos entre os gamers, as diferenças sejam relativizadas e impere acima de tudo o bom senso e o respeito entre as pessoas.

Lembrem-se amigos: videogame é acima de tudo diversão e isso definitivamente não combina com qualquer tipo de preconceito.


Confira nos vídeos abaixo o belo trabalho realizado pela Monique e pela Anika no YouTube.

A coluna de games do Lado B tem o apoio da loja Retro Gamers. Visite também o meu site, o Vídeo Game Data Base.
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