Casal transforma câncer de filho em videogame para 'exorcizar' dor da perda

Amy e Ryan Green criam jogo onde é preciso navegar pelo diagnóstico, tratamento e desafios da doença.

Um casal que perdeu um filho de cinco anos para o câncer lançou nesta semana um videogame, que reflete o drama que enfrentou e ao mesmo tempo ajudou-os a lidar com a perda.

Assista a um trecho do game.


O projeto de Amy e Ryan Green demorou três anos para ficar pronto. "Acho que queríamos muito que (o jogo) tivesse importância para pessoas comuns", disse Amy em uma entrevista pelo telefone de Loveland, no Estado americano do Colorado.

O jogo, batizado de That Dragon, Cancer (ou "Aquele Dragão, o Câncer", em tradução livre) é uma jornada digital pelo diagnóstico, tratamento e, no final, pela morte do filho do casal, Joel, aos cinco anos, devido a uma forma rara e agressiva de câncer no cérebro.

A data de lançamento coincide com o que seria o sétimo aniversário de Joel. Segundo os pais, a escolha foi uma forma de honrar a memória do filho e de avançar nas suas vidas depois de anos lidando com sua morte.

"Depois que Joel morreu, continuamos fazendo a mesma coisa que fazíamos antes dele morrer. Acho que estamos encarando os próximos dias tipo: 'como será a vida quando não temos este projeto apaixonante no qual estávamos trabalhando tanto?'", disse Amy.

Quando Ryan começou a trabalhar no jogo, Joel já tinha conseguido sobreviver além das expectativas dos médicos. Os pais achavam que o jogo poderia ter contado a história de um "milagre" médico.

Noite no hospital
A ideia para o game veio depois de uma noite traumática no hospital. Joel estava desidratado e muito doente devido à quimioterapia e não conseguia reter nenhum líquido.


Ryan contou que tentou de tudo para acalmar o filho, mas nada funcionava. Quando o choro de Joel ficou mais forte, Ryan começou a rezar e, de repente, o choro parou.

Uma das cenas do jogo 'That Dragon, Cancer' (Foto: Reprodução)
Uma das cenas do jogo 'That Dragon, Cancer' (Foto: Reprodução)

"Queria dividir aquele momento quando, às vezes, estamos desesperados e mas aí vem uma coisa boa", disse.

Ryan Green é um experiente programador e começou a criar os primeiros conceitos para o jogo que documentaria a luta de sua família.

Ele criou uma ilustração que o representava de forma abstrata, dentro de uma unidade de terapia intensiva sem muitas luzes. É possível apenas ouvir o choro de Joel, a família não queria mostrar de forma explícita a dor da criança.

Mas o jogador compreende com a ajuda da narração que Ryan está tentando acalmar o filho, embalando-o. Chega um momento em que o jogador não tem mais recursos para tentar acalmar Joel até que Ryan começa a rezar.

Conferência
Ryan percebeu o potencial do jogo depois de levar esta cena do hospital para uma conferência de games em San Francisco em 2013 e os jogadores que testam os games ficaram comovidos.


"Todos nós vemos esta coisa, ou já vimos. That Dragon, Cancer fala sobre manter a esperança e a alegria na vida enquanto pudermos", escreveu uma importante blogueira do setor de tecnologia que afirmou que a cena no hospital lembrou da luta de sua mãe contra o câncer.

A proposta inicial parece pesada demais para um game e Amy Green inicialmente achou a ideia terrível.

Jogo tem várias sequências parecidas com sonhos (Foto: Cortesia da Numinous Games)
Jogo tem várias sequências parecidas com sonhos (Foto: Cortesia da Numinous Games)

Mas, depois da conferência, eles conseguiram pessoas dispostas a financiar o projeto. Em seguida, uma equipe de documentaristas começou a filmar a família Green para um filme chamado Thank You For Playing ("Obrigado por Jogar", em tradução livre).
Uma campanha no Kickstarter levantou mais US$ 100 mil (mais de R$ 400 mil). Ryan e sua equipe na Numinous Games começaram a trabalhar no projeto em tempo integral e Amy começou a participar no roteiro e atuando.
"Começou a virar uma bola de neve. Parecia maior do que nós desde o começo", disse Ryan.

À medida que o jogo avançava, a saúde de Joel piorava. A dura realidade da vida da família Green seguia inspirando o jogo, como o dia em que os médicos dão a notícia ao casal de que os tumores de Joel não poderiam ser operados.

Ryan ilustra isto no jogo mostrando o escritório do médico se enchendo de água, que despenca do teto. Em outra cena parecida com um sonho, Joel voa em um céu noturno segurando balões, que vão estourando quando encostam em espinhos das células cancerígenas.

Catedral
Joel morreu em casa no dia 13 de março de 2014. Ryan e Amy Green passaram o ano seguinte tentando transformar este evento devastador em uma cena no jogo. Eles criaram uma sequência em uma catedral e um encontro com Joel, como em uma cena de vida após a morte.


Ryan e Amy Green com os filhos - Joel é o segundo a partir da direita (Foto: Cortesia da Família Green)
Ryan e Amy Green com os filhos - Joel é o segundo a partir da direita (Foto: Cortesia da Família Green)

O jogador pode soprar bolhas para Joel ou fazer a comida predileta da criança, panquecas. E o jogo tem sons de risadas de Joel.
"Nós podemos mostrar ao mundo como Joel era importante para nós. Amá-lo e perdê-lo foi a parte mais rica de nossas vidas até agora", disse Ryan.
Nem todos aprovaram o jogo. O casal conta que foi acusado de morbidez, de ser piegas e autoindulgente.
"Não queremos ferir as pessoas. Esperamos que as pessoas passem pela experiência (do jogo) e sintam que algo foi adicionado às suas vidas", afirmou Ryan.
Mas o game ganhou críticas positivas e a família afirma que a recompensa verdadeira virá da reação dos fãs depois do lançamento.
Os Greens já ouviram declarações de muitas pessoas que perderam um filho ou familiar devido ao câncer e esperam que o jogo possa ajudar outras famílias.
"(O jogo) É só para compartilhar algo, compartilhar um momento que acho que se relaciona com todo pai. A vida não é só uma coisa. Não são apenas vitórias. É o amargo e o doce", disse Ryan.

Fonte: G1
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